Disco: "Superguidis", Superguidis

É aí que a gente ganha a torcida: sendo sincero”, disse o vocalista do Superguids, Andrio Maquenzi, em entrevista a Rolling Stone desse mês. Ele provavelmente está certo. Desde surgiram para o mundo com “Malevolosidade” estourando nas caixinhas de som num distante início de 2006, – pense um tempo em que as pessoas ainda usavam Soulseek e acreditavam no Moptop, o Lúcio ainda escrevia a Popload na Folha, o Youtube ainda era novidade e o Twitter estava a um par de meses de ser parido – os Superguidis eram incríveis porque faziam rock simples, barulhento e deliciosamente inculto e imaturo. Era música que contrastava – e ainda contrasta – tanto com o refinamento universitário de Los Hermanos, Mombojó e Violins (esse último, por aproximação), quanto com o hedonismo sarcástico de editorial de moda de CSS, Bonde do Rolê e Rock Rocket. Era simplesmente difícil não se identificar com eles.

Passado pouco mais de um ano, o lançamento de “A Amarga Sinfonia do Superstar” definiria o que eram (e ainda são) os Guidis como banda, da capa à literal faixa-escondida “Riffs”. Como o próprio Andrio bem nota, os Superguidis eram e são sinceridade juvenil escrita com refrão e distorções. Carne, ossos e guitarras.

No entanto, o álbum apresentava uma face até então desconhecida dos garotos de Guaíba. Muito devido a produção do eterno Plebe Rude Philippe Seabra, os Superguidis tinham passado de uma espécie única banda da segunda-onda do lo-fi brasileiro para talvez o grupo de rock nacional mais certo de suas intenções artísticas (ser uma banda de rock, apenas). Muita gente não gostou dessa recém-descoberta polidez, alegando que a banda tinha ficado “madura demais” para o próprio bem.

O que nos leva a este capítulo. Filho de gestação longa e complicada – foi composto entre 2007 e 2008,  gravado no início de 2009 e finalizado só no começo de 2010 – o terceiro álbum dos Superguidis é, de fato, a mais ambiciosa e bem acabada obra dos gaúchos. Um álbum tanto de reafirmação, quanto de expansão do que eles fizeram até aqui.

Apesar mostrar a banda em pleno domínio do seu jogo e em sintonia com suas ambições, talvez não seja correto concluir que este seria o “álbum maduro” dos Superguidis. Não é. Por mais bem acabado que possa soar, “Superguidis” ainda é juvenil. Um álbum no gerúndio. Amadurecendo, não amadurecidos, Andrio (cantando cada vez melhor) e Lucas ainda falam das mesmas coisas de 4 anos atrás – garotas más (“Casablanca”), desilusões (“Camisetas”), dia-a-dia de jovem proletário (“Quando Se É Vidraça”). Ainda sim, num movimento que vem desde o disco anterior,  tudo é um pouco mais sério. Os medos são maiores (“O usual”, “Roger Waters”), os relacionamento mais profundos (“De Mudança”), o descontrole emocional mais explosivo (“Não Fosse O Bom Humor”).

Musicalmente essas grandes intenções resultam num álbum em que novos e velhos truques convivem em harmonia. A abertura, “Roger Waters”, é uma balada piano-e-cordas incomum ao repertório da banda (Pink Floyd, quem diria?), que serve introdução para explosão shoegaze-via-Billy-Corgan de “Não Fosse O Bom Humor”, a carta de intenções do disco. Sem dúvidas, a transição entre as duas faixas iniciais é talvez o momento mais arrebatador do rock nacional em muito tempo.

De novidade, ainda há a combustão lenta de “De Mudança” (que Andrio escreveu quando saiu de casa para morar com a namorada) e os sutis arranjos de cordas espalhados por “Visão Além do Alcance” e “Aos Meus Amigos”. As mudanças, no entanto, não significam que eles perderam a verve para escrever rocks simples e radiofônicos (que infelizmente ainda não tocam na rádio), como bem mostram “As Camisetas” (“por que sempre chove quando alguém te abandona?” é um refrão mais populista que eles já fizeram) e “Fã-clube Adolescente”.

“Aos Meus Amigos”, que encerra o álbum, talvez seja a que melhor defina a fase atual da banda. É uma meia-balada refrão simples e eficiente – apenas a frase “Melhor assim que eu não estou só” cantada sobre bela cama de guitarras – que se permite floreios épicos antes de por fim aos 34 minutos de disco. Não é exatamente triste, nem profunda, mas deixa transparecer que há uma seriedade e um senso de compromisso a espreita. Emociona sem esforço e é, como a própria banda, sincera de maneira brutal e brilhante.

[“Superguidis”, Superguidis. 11 faixas com produção de Philippe Seabra. Lançado por Senhor F/Monstro Discos em março de 2010]

[rating: 4.5/5]