O segundo disco é um dos momentos mais importantes da carreira de uma banda, principalmente quando o debut é um sucesso. A tal “síndrome do segundo disco” apavora artistas até hoje, apesar de ser um dos mitos mais antigos da música pop. Não sei se acontece o mesmo com festivais ou grandes eventos de música, mas é fato que o Planeta Terra 2008 honrou as altas expectativas dos 15 mil presentes, depois da hypada edição do ano passado.
O que não quer dizer que tudo que rolou no sábado na Villa dos Galpões foi perfeito. Mantendo uma estrutura bastante semelhante a de 2007, o festival ficou um pouco pequeno para os 15 mil que lotavam a Villa. Houve filas intermináveis para comida (pelo menos 40 minutos esperando) e nos bares, além de os banheiros químicos, sem água, não cheirarem tão bem depois algumas horas. Além disso, o som no Main Stage teve vários problemas, depois de ter começado bem com o Vanguart e a Mallu e fechando melhor com o Kaiser Chiefs. O Jesus, o Offspring e o Bloc Party tocaram com som baixo e abafado, o que comprometeu seriamente suas apresentações. Já no Indie Stage, o problema foi isolado ao Animal Collective, que só foi começar com 15 minutos de atraso, tendo que cortar duas músicas do set.
Mesmo com esses problemas, o Planeta Terra 2008 foi um dos eventos de música mais legais desde que eu tenho idade para frequentar eventos de música. Gente correndo com sorriso estampado entre os espaços do festival, shows fantásticos no Indie Stage (que foi mais principal que o Main), artistas começando a tocar na hora marcada, galera vibrando a cada música (nem parecia São Paulo) e toda uma sensação de estar sendo decemente tratado por quem organizou, coisa que nem sempre acontece nos eventos brasileiros.
Para 2009, a segunda edição do Planeta Terra deixa de lição a necessidade dos organizadores entenderem o tamanho que o festival adquiriu – ou seja, mais banheiros e com água, mais bares (e com cerveja mais barata) e uma praça de alimentação mais organizada. Daí é caprichar na escalação e correr para o abraço.
Foto: Terra
Brothers Of Brazil
Preferimos atrasar, entupir as artérias no Burguer King e presenciar uma briga de bêbado sensacional dentro do ônibus, do que assitir um show de bossa nova às 16h15 com o Supla e o irmão que come a Maria Paula. Existem prioridades nessa vida, se é que você me entende.
Perdeu, playboy
Vanguart
(por Bernardo Barbosa)
Por volta das 17h30 de sábado, o Vanguart teve a dúbia honra de abrir as atividades do Main Stage do Planeta Terra. Com o Sol ainda no céu e um público bastante razoável para o horário no chão, a banda não quis enrolar e mandou ver num set bem direto, com pouquíssimas pausas entre as músicas e quase sem falar com o público.
De fato, qualquer falatório era desnecessário. Muito bem entrosados (e bem vestidos também), Hélio Flanders e companhia se valeram de um som de boa qualidade – algo que raramente se repetiu ao longo do dia no palco principal – e conseguiram empolgar a galera que chegava aos poucos à Villa dos Galpões. Destaque para Hey Yo Silver e Semáforo, que fechou o show de forma apoteótica. Serviu para esquentar os ouvidos para o que ainda estava por vir.
O Curumin começou o show com Indie Stage esvaziado, pouco mais 50 cabeças que deviam estar ali mais para garantir o lugar na grade para os outros shows do que para ver o samba multifacetado da banda.
Liberados da pressão de agradar, Luciano Nakata (o Curumin), Lucas Martins e Loco Sosa (os Aipins) conduziram a platéia crescente por uma aula do que é a música brasileira hoje. Tem samba, tem soul, tem funk, tem hip hop, tem rock, tem lambada e é essencilamente divertida, sem nunca parecer gratuita ou futil.
O show foi focado no excelente “Japan Pop Show” (2008), com destaque para “Mal Estar Card” (que teve a participação de Christian Love) e “Caixa Preta”, funk que fez os corajosos dançarem bonito. No encarramento, Luciano sai da bateria e assume o cavaquinho elétrico em “Magrela Fever”. Um troca de olhares depois, a banda decide emendar com “Nega”, sucesso da lambada do começo dos noventa, acompanhada pelo coro de indies que agora tomavam grande parte do Indie Stage.
Pode não parecer, mas fez bastante sentido.
Foto: Terra
Mallu Magalhães
(por Bernardo Barbosa)
Goste-se ou não de Mallu Magalhães, o fato é que ela já conseguiu o seu espaço, ao contrário de muita gente que reclama dela. Prova disso foi sua presença como segunda atração do dia no Main Stage do Planeta Terra, diante de um público maior (basicamente por causa do horário – o show começou às 19h), mas mais distraído do que o do Vanguart.
De cartola, paletó e gravata borboleta, Mallu tocou seus webhits, além de Janta, parceria sua com (seu novo amor?) Marcelo Camelo, e de covers de Beatles e Johnny Cash – aliás, ela fechou a apresentação com o clássico Folsom Prison Blues.
No geral, foi um bom show, com destaque para a excelente banda de apoio – que também estava vestida no mesmo estilo da cantora. Mallu segurou muito bem a onda de tocar no Main Stage e mostrou que seu lugar é mesmo o palco. Entretanto, ela ainda peca em algumas linhas vocais, muito esticadas e artificiais para sua voz, naturalmente de timbre mais suave. Além disso, parece que Mallu por vezes insiste em agir como uma criança de 11 anos (só pra constar, ela tem 16), principalmente durante os intervalos entre as músicas – muita gente acha fofinho, mas eu me irritei de leve. A essa altura, a gente já sabe que ela é muito mais esperta, inteligente e talentosa do que isso.
Foto: Terra
Animal Collective
Atração mais aguardada pelo Bloody Pop, o Animal Collective infelizmente foi o único do Indie Stage a ter problemas de som. Por descuido da produção ou uma passagem de som não realizada (ainda não se sabe ao certo), a banda até tentou começar “Chocolate Girl”, mas foram impedidos pela ausência completa do volume do microfone do Avey.
Quase 20 minutos depois, com os problemas quase resolvidos, o coletivo de três (Deakin ainda está na bad trip que iniciou em 2007) finalmente começou o show com “Comfy in nautica”, do fantástico “Person Pitch”, disco solo Panda Bear do ano passado. “Peacebone” veio em seguida, fazendo Avey e parte da platéia urrar num dos refrãos mais estranhos do ano anterior.
Aí então Geologist soltou a batida caracterísca de “Fireworks” e tudo ficou um tanto complicado na minha cabeça. Foi quase involuntário começar a dançar (como um babuíno) e fazer as vocalisações da música. É difícil imaginar hoje uma música dessa década que ainda mexa tanto comigo. Agora você imagine que a versão tocada se estendeu por quase 20 minutos. Calcule o estrago emocional.
Prestes a lançar um álbum novo, os três ainda tocaram “Summer clothes”, mais pop lembrando “Peacebone” e “Grass”, e o SAMBÃO sampleado que é “Brother Sport”. Taí uma disco que você vai ouvir muito em 2009.
Foto: Terra
The Jesus And Mary Chain
Talvez essa tenha sido a grande mancada do PLaneta Terra: o Jesus And Mary Chain tocou baixo.
Sem o peso e o ruído característicos, a banda dos irmãos Reid soa como um bom grupo de rock estádio, só que bem mais pálida e sem carisma do que contemporrâneos e como U2 e Morrissey.
Não dá para negar o efeito emocial da dúzia de clássicos do set list. “Head on”, “Happy when it rains”, “Just like honey”…estão quase todas ali, mas amansadas, polidas demais para provocar algo além das palmas.
Certo que num espaço menor, um Via Funchal ou Canecão, seria uma apresentação completamente diferente. Duro é pensar que provavelmente foi a última vez que o Jesus pisou no Brasil. Mancada de proporções biblícas e tal /trocadilhoidiota.
Foto: Terra
Foals
Ainda ao som de “Reverence”, sai correndo para o Indie Stage para ver o Foals, entusiasmado pela mensagem do Bernardo (que escreveu sobre o Vanguart, a Mallu e o Offspring nessa cobertura): “Leeeeesk o foals ta irado! Galera ta bombante”.
Chegando no Indie Stage, a surpresa foi enorme. Pesado, cabeçudo e extramente dançante, o som do Foals ao vivo vai muito além das suas gravações. Se os primeiros singles apostavam numa produção seca que os deixavam com cara de um sub-Bloc Party, em “Antidotes” eles chamaram David Sitek para produzir e o Antibalas para colaborar, o que garantiu novas nuances para uma banda que perigava ficar no meio do caminho.
Ao vivo, o Foals muda de figura. É como se a onda desse post-punk doismilanista finalmente fizesse sentido esteticamente. É bem além do Interpol, do Rapture, do Bloc Party e de todo math-rock. É Talking Heads copulando com Fugazi, enquanto se perde na pista ao som de “Transmission” e “Damaged goods”. É de uma brutalidade e uma precisão tão assustadoras, que, combinadas com a entrega total com que a banda conduz o show, atordoam e fazem dançar ao mesmo tempo. Taí um segundo disco para se esperar muito em 2009.
Foto: Terra
The Offspring
Para quem estava sendo cotado como o fiasco da noite por ser a atração mais deslocada do line-up do Planeta Terra, The Offspring mandou muito bem. Quarto grupo a pisar no Main Stage, os veteranos californianos fizeram um show bastante honesto e jogaram para a platéia, que ignorou o som abafado e se esbaldou com o desfile de hits.
De cabelinho novo no melhor estilo Bon Jovi, o vocalista Dexter Holland foi econômico na comunicação com o público, mas nem por isso antipático. As piadinhas e os agrados aos anfitriões ficaram por conta do guitarrista Noodles. Vestido com a camisa canarinho número 9, (“Ronaldo, right?”, perguntou ele), talvez não tenha passado pela cabeça de Noodles que sua barriga de chope guarda reais semelhanças com o atual porte físico do dono original daquele uniforme…
The Offspring tocou apenas três músicas do disco que lançou este ano, Rise And Fall, Rage And Grace, as quais não empolgaram os presentes. Em compensação, o resto do set foi só de clássicos da banda: “Come Out and Play (Keep ‘Em Separated)”, “Pretty Fly (For a White Guy)”, estava tudo lá. Destaque para “Self Esteem”, que fechou a apresentação em grande estilo. Sem dúvida, um dos shows mais animados do Planeta Terra 2008.
Foto: Terra
Spoon
Sabe quando a única coisa ruim de um show é ele ter que acabar? O Spoon foi melhor que isso. Por maior que fosse a sua má vontade com a banda (e quem tem má vontade com o Spoon só pode ser chamado de louco), não deu para apontar um senão na apresentação da banda.
O show foi concentrado no último e ótimo disco da banda “Ga Ga Ga Ga Ga” (2007), com algumas faixas do “Gimme Fiction” (“I turned my camera on”, “They never got you”) e do “Kill The Moonlight” (o hit “The way we get by” e “Stay don’t go”). Nada do “Girls Can Tell”, nem mesmo “Everything Hits At Once” (eu até gritei pedindo). E mesmo assim, em pouco menos de 1 hora, o Spoon provou por que é uma das melhores bandas americanas em atividade sem fazerem peripécias experimentais, nem surfarem hypes de 10 segundos.
É tudo muito simples: boas canções executadas por um grupo de músicos competentes comandado por um cara que não confunde carisma com vergonha alheia (alou Ricky Wilson).
Resumindo: EXCELÊNCIA.
Foto: Terra
Bloc Party
De todas as bandas que se apresentariam no festival, o Bloc Party era sem dúvidas a que mais precisava provar alguma coisa. Não preciso falar o quão constrangedor foi aquele playback no VMB e mesmo que eu goste de quase todo “intimacy”, o disco passa longe de ser muito bom.
A impressão que dá é que eles têm um potencial imenso, mas nunca conseguem colocar tudo para fora. Se “Silent Alarm” é uma dos melhores discos de estréia dessa década (mesmo gozando rápido demais), há também boas idéias espalhadas pelos seus dois últimos álbum da banda, mas nem sempre essas são bem realizadas.
Essa falta de coesão contamina grande parte do show também. Tocando com o pior som do festival inteiro (bateria estourada, guitarras baixas, vocal anêmico), o Kele e cia se esforçaram bastante para agradar o público paulista, mas era só começarem alguma do “A Weekend In The City” ou do “Intimacy” para os bares ficarem cheios, os celulares começarem a tocar e a fofaca ficar em dia.
Claro que todo mundo pulou com “Helicopter”, “Banquet” e “Positive tension”, mas será que ainda vale a pena esperar alguma coisa do Bloc Party? Eu não ouso responder.
Foto: Terra
The Breeders
Foi a hora da minha dor nas costas e da fome abissal do Bernardo (que demorou 2 horas para conseguir um temaki ruim). Aí você junta ao fato da única música legal do Breeders ser “Cannonball” e, plutf, exemplo clássico de quando a falta de saco supera a responsabilidade jornalística.
Foto: Terra
Kaiser Chiefs
Pernas (quase) descansadas e barriga chega, era hora de encarar o último show da noite. E foi o velho ditado: tudo bem quando acaba bem.
Por mais que eu tenha uma baita implicância com a banda, não nego que o Kaiser Chiefs tenha por volta de umas 8 músicas legais, o que já garantiria um bom show. Fazendo todas as firulas de um band leader participativo, Ricky Wilson jogou para platéia e a platéia rebatebeu bem, mesmo com o pé doendo.
Os hits (aquelas 8 músicas legais que eu falei) foram catados com pulinhos e mãozinhas levantadas, as músicas do novo disco (bom, mas sem hits) passaram bem, sem bocejos e nem catarses.
O pulo do gato é entender que o Kaiser Chiefs é só aquilo ali só – holligans de bem com a vida que ouviram Blur e The Jam e resolveram montar uma banda de rock. Não é culpa deles se eles não são gênios, mas é bom que eles existam para que a gente se divirta por uma hora e esqueça depois. Por que às duas e meia da manhã, depois de Animal Collective, Foals e Spoon, eu simplesmente não aguentaria outra banda fazendo meu cérebro funcionar.
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Todas as fotos bonitas são do Terra e as ruins são minhas. Um UPA! para o portal e para Dudinka por terem escolhido o Bloody Pop e todos aqueles outros blogs bacanas como seus ‘embaixadores’. Ano que vem tem mais.
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Como as coisas se complicaram durante essa semana, amanhã temos o Randomizando #02 com tudo que ficou pelo caminho durante esses dias. E no fim de semana, um post sobre o bafo Camelo & Mallu.
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