Talvez seja influência da família de músicos, talvez sejam os anos de experiência (dos primeiros shows ao primeiro disco foram cerca de oito anos), talvez seja o bichinho da genialidade que o mordeu em algum momento. Não importa. O fato é que Jonas Sá é um artista pop como não se vê sempre por aí. Para comprovar, basta vê-lo em ação no seu primeiro disco “Anormal” (13 canções cheias das mais diversas referências, mas com sabor pop inegável) e no palco, (onde parece ter levado um choque numa voltagem alta demais para ser medida) para se ter certeza que ele é sim – ou pelo menos deveria ser reconhecido como – uma estrela do quilate de um Bowie, Caetano ou mesmo um Kevin Barnes, vocalista do of Montreal.
Jonas é filho, irmão, amigo e destaque dessa nem-tão-nova-assim-mas-quase-sempre-genial geração da música carioca. Seu irmão é Pedro, fundador da hoje mítica Mulheres Q Dizem Sim e atual guitarrista, produtor e braço direito de Caetano Veloso. Sua banda é inteira Do Amor. Seus amigos e colegas de trabalho são qualquer músico ou pessoa envolvida com música a este lado da Orquestra Imperial, basta conferir no encarte do seu primeiro álbum, lançado em 2007 pela Som Livre Apresenta.
E amigos (e de certa forma referências) também são Caetano e Lenine, convidados da temporada que o músico fez no Cinemathéque Jam Club no Rio em abril. Numa dessas apresentações (fotos no flickr), o Bloody Pop aproveitou para bate um papo com Jonas sobre as trilhas que ele compunha para suas brincadeiras com G.I. Joe, seu amor pela esquisitice e os outros três (!) discos que ele quer lançar o quanto antes.
Bloody Pop: Você vem de uma família de músicos. Como isso te influenciou?
Jonas Sá: A minha família é uma família de músicos. Meu pai [Ronaldo Tapajós] tinha uma dupla nos anos 60 chamada Rô & Carlinhos, que fazia parte dessa galera que tava botando guitarra elétrica na música, que não necessariamente era dos tropicalistas, mas era do mesmo empresário, da mesma turma. Depois nos anos 80, meu pai e minha mãe fizeram um disco com uma banda chamada Cinema e esse disco foi a primeira coisa que eu vi dos meus pais fazendo música. Ao mesmo tempo, o meu irmão começou a tocar guitarra, então ficou tudo muito próximo de mim em casa, mas eu demorei a querer fazer música.
BP: Quando você começou a tocar?
Jonas: Na verdade, quando eu era criança eu fazia alguma coisa de música quando brincava. As minhas brincadeiras de Comandos Em Ação eram sempre filmes. Nunca eram aventuras só, eram filmes. Elas começavam com créditos e tal, e tinham músicas. Eu brincava com meus amigos e acabava que sempre tinha um piano por perto, ou então um violão do meu pai que tinha uma afinação esquisita, que qualquer coisa que você fazia saiam uns acordes bonitos, dissonantes. Aí eu fazia essas trilhas pros meus filmes imaginários. Inclusive tem uma música minha que fala muito dessas brincadeiras minhas, que é a “Anormal”, que fala da minha infância na fazenda. Eu morava no Rio, mas ia pra Visconde de Mauá [cidade da região serrana do Rio de Janeiro] todo fim de semana. E fim de semana é uma coisa enorme pra uma criança, dois, três dias. Mauá era totalmente outra coisa naquela época, era muito mais vazio. O fato de eu ser criança e de lá ser um lugar rural, pouco invadido pela cidade, fazia com que eu viajasse muito. E também o fato dos meus pais fumarem maconha na época, eu ficava sentindo aquele cheiro e viajava muito. Eu via as coisas com uma cor diferente, eu via aqueles duendes. Aquelas coisas que as pessoas diziam que viam, eu achava que via também.
BP: O que te inspira a fazer música?
Jonas: Varia muito. Tem momentos em que são coisas muito autobiográficas, que criar é uma maneira de extravasar coisa pelas qual eu passei. Ou às vezes são autobiográficas em outro sentido, como numa maneira de festejar o que eu gosto ou de contar uma história que eu vivi. E isso acaba vindo em formato de música porque ela tem esse poder de englobar uma subjetividade de sentimento muito forte. Quando você toca aqueles acordes acontece uma magia que te causa uma emoção. E essa emoção é o mais importante pra explicar o que você ta querendo dizer em palavras.
Muitas vezes não é uma coisa autobiográfica. Muitas vezes são histórias que vem na minha cabeça ou personagens que eu quero encarnar. Já que eu não sou ator, me causa mais graça fazer aquilo na música.
E muitas vezes a composição parte de uma coisa puramente instrumental mesmo e que depois eu tenho que colocar uma letra. Não tem muita razão. Às vezes pintam só alguns acordes, às vezes pintam todas as cornetas, as cordas e batida na minha cabeça, o timbre… tudo.
BP: O “Anormal” para mim é um disco de pop esquizofrênico. É formatado, mas você acaba não vendo quais arestas foram aparadas ali, o que é interessantíssimo. Qual é esse caos que te influenciou e que não fica tão claro ouvindo o disco?
Jonas: O “Anormal”, talvez por ser um primeiro disco, vem com uma característica que eu considero bem pessoal minha, mas que muita gente que eu admiro tem também, que é o fator Jekyll & Hyde [Médio e o Monstro] da coisa, sabe? É um amor pela esquisitice. É um gosto de botar para conviver o barulho com um som cristalino. E acho que esse fator acaba estando presente na minha vida toda, minha obra toda, porque o que mais me agrada do mundo é essa dinâmica: como a beleza das coisas, inclusive a “beleza” que as pessoas acham feia, se ajudam a ser. É aquela velha história de “o que seria do verde se não fosse o azul?”, sabe? Se você coloca numa mesma obra, numa mesma música, num mesmo disco dois pontos extremos de embate, eles se afirmam um ao outro, e afirmam sua beleza, sua maestria e seu equilíbrio.
BP: Porque o disco levou tanto tempo , 6 anos, para ficar pronto?
Jonas: Eu demorei esse tempo porque eu tava aprendendo a produzir o disco e porque eu contava com o tempo de muita gente que tava tocando. Apesar dos meus dois produtores, Moreno Veloso e Bartolo, o disco ficou muito com a cara da minha produção. Eu fui o fio condutor nesse trabalho, mas eu ainda tava aprendendo a produzir, sabia muito menos que o Moreno e menos ainda do que o Bartolo. Mas no final das contas eu aprendi a fazer a coisa e os dois foram muito sábios de valorizarem o meu jeito de produzir, mas colocando a maneira deles com contrapontos muito harmoniosos, dentro do meu universo.
BP: E o resto do pessoal que participou do disco? Tem muita gente creditada ali, como você conseguiu dar uma unidade a isso tudo?
Jonas: Acontece o seguinte: o embrião desse disco foram os ensaios dos shows que eu fiz desde 98/99 com uma banda que era basicamente essa galera que toca comigo [Do Amor] – que é o pessoal com quem eu toco desde os meus 14 anos de idade com quem eu tenho banda desde sempre – e outras pessoas que acabaram tomando seus caminhos. O Bruno Levi que era do Carne de Segunda, o Rubinho Jacobina… Todas essas pessoas que tocaram comigo sempre foram muito generosas, tanto no sentido de trazerem idéias delas, pessoais, como os artistas que são quanto tocam aquele instrumento, quanto para me escutarem e para fazerem o que eu propunha, o que eu tocava. No fim das contas, se você olha o meu disco, tem muita gente, mas eu estou muito presente também, eu toco muitos instrumentos, justamente porque eu tive tempo de aprender a tocar as coisas que eu queria tocar.
BP: Como foi lançar o primeiro disco por uma gravadora que não tem muito costume de lançar artistas novos? Como foi participar desse novo selo, o Som Livre Apresenta? Como que o braço da Globo influenciou no lançamento?
Jonas: O braço da Globo ajuda a gravadora a ter dinheiro, mas o selo tem muito pouco dinheiro. É um selo pequeno dentro de uma gravadora grande. Me atraiu muito a proposta deles porque eu tinha liberdade total de criação, desde a capa do disco, até o fonograma. Foi uma proposta que não englobava dinheiro, eu não vendi meu fonograma para eles, foi um contrato de licenciamento, uma parceria. Foi um projeto que no começo, quando eu entrei, estava indo para um lado e agora está indo para outro, está amadurecendo, trazendo artistas que eu acho que são mais interessantes como o Little Joy, a Orquestra Contemporânea de Olinda.
O fato de ser uma gravadora grande acabou ajudando muito porque a distribuição foi bacana. O fato de ser um selo novo, um selo que se propõe fazer coisas completamente novas dentro de uma gravadora que estava muito focada em trilhas de novelas – o que de certa maneira estava engessando a gravadora – acabou desengessando a empresa e isso acabou chamando a atenção da mídia, que de certa forma já estava esperando o meu trabalho. Então as coisas se somaram de uma maneira muito bacana.
BP: Ouvi que você tem três discos montados na cabeça. Você já gravou alguma coisa? O que vem pela frente?
Jonas: É assim: eu tenho um disco todo esboçado, do qual já nasceu um EP. O nome do disco é “Demênça”. Dele saiu um EP em 2003 chamado “Beautiful Freak”, todo em inglês.[Ed: Dá para ouvir duas faixas desse EP no myspace] É um disco que eu fiz porque estavam surgindo muitas músicas em inglês e que também serviu para eu descansar um pouco do “Anormal” (risos). Eu fiz no meu quarto, mas ainda tenho que lançar as outras músicas, o “Demênça” inteiro.
Fora isso, tem o “Tropical” que é o próximo disco, que eu ainda estou com ele na cabeça, ainda não gravei nada, mas já estou experimentado algumas músicas no show. Posso adiantar que é um disco dançante, copy-and-paste pra caralho.
Aí tem um disco que por enquanto está apelidado de “Superheroes”, que vai ser todo ao vivo com a minha banda no estúdio. E ainda tem as sobras do “Anormal”, o que dá umas nove ou 10 músicas.
BP: É muita coisa! Como você pretende lançar isso tudo?
Jonas: É um mistério ainda. (risos) Vou deixar o acaso me ajudar um pouco, mas eu acho que o “Tropical” deve sair ano que vem, já que eu posso considerar um disco mesmo “de carreira”. O “Demênça”, eu vou fazer em algum momento um SMD dele e vou fazer um lançamento simples, englobando nos meus shows normais. Se houver pedidos, talvez eu faça um show só do “Demênça”.
E ainda tem mais algumas coisas minha cabeça que vão se delineando, mas que ainda não estão completamente delineadas.
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