Disco: "Manners", Passion Pit

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Da maneira que a música indie está estruturada hoje, singles e EPs podem ocupar uma posição bastante traiçoeira na carreira de uma banda. Se os primeiros lançamentos são peças fundamentais no surgimento de um hype, também podem causar o efeito contrário em médio prazo. Em outros tempos, um artista às vezes levava anos e vários discos para ser conhecido, já hoje, com tudo à distância de um clique, basta uma canção mal gravada no myspace para virar sensação mundial. O problema é conseguir viver para além do êxito dessa primeira canção ou EP. Exemplos disso não faltam (Black Kids, Tokyo Police Club, Voxtrot, e mais outros tantos) e é cada vez mais comum ver artistas ascendendo rapidamente, para depois virarem nota de rodapé quando seus primeiros discos não correspondem às expectativas – às vezes de continuação da sonoridade do EP, às vezes de um cavalo-de-pau rumo à grandiosidade. O problema é que muita gente (público e crítica) se esquece que os singles e EPs geralmente são rascunhos das reais intenções de uma banda, ou então são apenas um golpe de sorte de artistas medíocres. Nessa brincadeira, a nova música periga virar um pacotinho de chicletes: você vai mascando até perder o gosto, depois joga fora e pega um novo, com um sabor tão delicioso e efêmero quanto o anterior. Até diverte, mas dá uma azia…

O Passion Pit é o hype maior de 2009, não há como fugir disso. Vindos de uma cidade universitária no norte dos Estados Unidos, o grupo apareceu do nada no meio de 2008 com um single e um EP estupendos, que catapultaram a banda para as páginas de blogs e sites de música.

Originalmente composto como um presente de dia dos namorados para a garota do vocalista Michael Angelakos, o EP “Chunk Of Change”, uma coleção de canções de synth-pop lo-fi, foi lançado em setembro pela Frenchkiss recebendo várias resenhas elogiosas. Mas antes disso o single “Sleepyhead” (única das sete que não era para namorada de Angelakos) já encantava nos fones de ouvido e no YouTube (o clipe é simples e sensacional). No entanto, a faixa parecia um alien em relação ao resto do disco – estranha, esquisita, fosforescente – com suas camadas de vozes sampleadas, seu refrão sem letra e sua maneira toda própria de colidir os drones delicados do dream pop com uma batida pesada que anseia pela pista de dança.

Tudo isso faz de “Manners” um álbum mais difícil do que realmente é. Quem procura outras 10 outras “Sleepyhead” (a música está aqui, numa versão piorada) ou uma continuação das outras faixas de “Chunk Of Change”, provavelmente vai se decepcionar. Mesmo sem dar uma guinada muito brusca, a banda chama para sim outras referências e acaba, assim, dando um olé perigoso, mas certeiro no hype.

Antes um projeto de um cara querendo impressionar sua garota, o Passion Pit se vê em “Manners” na obrigação de ocupar um lugar vago na constelação atual do synth-pop. Enquanto outros grupos do gênero operam com formações menores (produtores solo, duplas ou no máximo trios) e mais distantes do público, a banda é um quinteto e usa isso como ferramenta cativar o ouvinte. Isso fica claro no single “The Reeling”, um hit de pista em que eles, ao invés de serem os DJs, parecem mais entusiasmados em dançar com o resto da festa.

“Make Light” abre o disco dando o tom de celebração que continua até a última faixa. Trata-se de uma explosão de sintetizadores guiada pelo falsete exagerado de Angelakos, que, comparado a fragilidade que exibia no EP, aqui mostra que o vocalista está prestes a se transformar num Justin Timberlake indie, um rei da noite tão esquisito quanto amável.

A dinâmica segue quase inalterada em “Little Secrets”, canção um pouco mais suingada e com participação do coral de crianças PS22. “Moth’s Wings” vem em seguida, mostrando uma saudável mudança ritmo. Enquanto o resto de “Manners” é de um exagero quase imediatista, “Moth’s Wings” segue caminhos mais introspectivos. A voz de Angelakos vai ganhando confiança à medida que a melodia evolui e o resultado é algo como o Flaming Lips tocando alguma das baladas gospel do U2.

O resto disco segue em outras direções, com mais ou menos sucesso. “To Kingdom Come” parece uma versão mal acabada de “Paris” do Friendly Fires, enquanto “Swimming In The Flood” e “Eyes As Candles” lembram Postal Service, mas sem o espectro emocional que a voz de Ben Gibbard dá àquele projeto. Já “Folds In Your Hands” se garante misturando um maximalismo já démodé com a doçura do indie pop.

Ao fim do álbum, a letra “Seaweed Song” parece brincar com a possível reação daqueles que esperava mais do “antigo Passion Pit”. “Stay, stay the same / ‘Cause everything will change / (…) So please stay the same”, canta Michael Angelakos sobre uma batida que seria igualmente eficiente num rap.

Os que estão presos a uma nostalgia de passado recente ou grávidos demais de um futuro que nunca chega provavelmente vão torcer contra, mas com um disco pop tão bem acabado “Manners” o Passion Pit prova estar um tanto além do arredio conceito de tempo ditado pelo hype.

[“Manners”, Passion Pit. 11 faixas com produção da própria banda. Lançado pela Frenchkiss/Columbia em maio de 2009]

[rating: 4/5]


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Uma resposta para “Disco: "Manners", Passion Pit”.

  1. Avatar de Vinhal
    Vinhal

    Ótima resenha, Lívio. Muito boa, mesmo!

    Eu ainda tenho minhas dúvidas se o Passion Pit vai durar muito, mas, para algo que nasceu tão despretenciosamente, já está ótimo! Difícil mesmo é quando o hype vem com bandas que querem mudar o mundo (vide The Killers).

    Por enquanto Angelakos está indo bem!

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