Além de ótimas surpresas como Fleet Foxes, Vampire Weekend e MGMT (para citar os que me vêm à cabeça agora), o ano de 2008 nos trouxe um álbum especialmente singular dentre todos os outros do ano passado: “Third”, do Portishead. O disco de retorno do trio é de uma beleza indescritível, mas o que realmente o distinguia de todos os outros discos do últmo ano era a extrema angústia que, ainda que fosse esperada – afinal, falamos de Portishead -, ia além do que o trio já tivera feito nos dois discos anteriores. O ouvinte, para resumir, caía interminavelmente em um abismo, num misto de terror e deslumbramento com a música do grupo. Pois bem, talvez possamos dizer que o que “Third” representou para o ano de 2008, “Fever Ray” representa para o presente ano, 2009.
Fever Ray é o projeto-solo/pseudônimo de Karin Dreijer Andersson, a metade feminina do The Knife, duo formado com seu irmão Olof Dreijer. A atmosfera e as batidas eletrônicas do The Knife estão de certa forma presentes em “Fever Ray”, mas há grandes diferenças entre o duo sueco e o trabalho solo de Karin. Falemos, porém, apenas de “Fever Ray”, o projeto e seu álbum homônimo, sem mais comparações com o The Knife.
Fever Ray – “Triangle Walks”
A voz de Karin Dreijer no Fever Ray é algo impressionante por si só. Um ouvinte desatento poderá imaginar, inclusive, que há mais de um vocalista no projeto, o que, de certa maneira, é verdade. Há pelo menos três ou quatro grandes modificações vocais em “Fever Ray” – todas na voz de Karin, no entanto. E, por incrível que pareça, todas se encaixam perfeitamente nas suas respectivas faixas. Nesses tempos de toscos abusos com o Auto-tune e adjacentes, o trabalho vocal de Karin Dreijer é substancialmente mais pensado e trabalhado do que a grande maioria das produções atuais.
Fever Ray – “If I Had a Heart”
Retomando a metáfora do abismo, “Fever Ray” abandona o ouvinte do topo de um penhasco e a queda é vertiginosa e, apesar do medo, deliciosa. É como aquele frio na barriga quando se cai de um lugar alto: nos amedronta, mas continuamos querendo mais. E desde os primeiros momentos da faixa de abertura, “If I Had a Heart”, “Fever Ray” nos leva a um desconhecido e atemorizante universo musical de Karin Dreijer. Todas as faixas do disco são de uma beleza suspensa, cheia de – com o perdão do trocadilho – suspense. Talvez haja também um pouco de tristeza e nostalgia, que perpassem todo o disco, mas há mais outros sentimentos formados mais por dúvida que por certeza. O álbum termina e ainda estamos um pouco deslumbrados, sem saber o que virá, o que há detrás da porta, a que hora chegará o ladrão, quem poderá vir até nós. Todos os pequenos ruídos, todas as batidas eletrônicas, as flautas, as vozes de Karin, tudo, enfim, deixa em suspenso a possibilidade de que algo virá, a qualquer momento. Isso, aliado à pura beleza e complexidade musicais do álbum, faz da experiência de ouvir o álbum, com calma e inteiramente, algo indescritível. Assim como ouvir “Third”, do Portishead.
Fever Ray – “I’m Not Done”
Todas as canções são para serem destacadas, não há uma que seja desnecessária para o disco. Talvez “Coconut”, justamente a faixa que termina o disco, mas certamente haverá quem a prefira a todas as outras. “If I Had a Heart” é seguramente um grande início para um ótimo disco; “When I Grow Up” mostra a amplitude vocal e o talento de Karin Dreijer; “Seven” tem batidas eletrônicas e letras simplistas e certeiras, com um refrão nostálgico e maravilhoso; “Tringle Walks” e “Concrete Walls” fazem um par intrigante, pelas formas vocais que a voz de Karin Dreijer assume. Todas as letras de “Fever Ray” merecem destaque, mas a de “Seven” e “I’m Not Done”, a oitava faixa, são primores.
Resumindo, a música de Karin Dreijer em “Fever Ray” é algo que nos remete à música eletrônica menos repetitiva e alucinada de antes, conseguindo ainda criar um universo próprio, muito diferente do que já foi produzido e do que é feito nos dias de hoje. Junta uma certa nostalgia com a certeza de que está fazendo algo diferente, pois nos dá uma sensação de familiaridade e ao mesmo tempo de estranhamento. É como diz o belo refrão de “Seven”: “I know it, I think I know it from a hymn / They’ve said so, it doesn’t need more explanation”.
É um álbum de uma singularidade excepcional e por isso muito interessante.
[“Fever Ray”, Fever Ray. 10 faixas produzidas por Karin Dreijer Andersson, Christoffer Berg, Van Rivers e DJ Spooky. Lançado pela Rabid Records em março de 2009]
[rating: 5/5]
Deixe um comentário