Disco: "Vagarosa", CéU

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Vagarosa. O título do novo trabalho de CéU parece funcionar como uma palavra-chave que descreve não só o tempo que a cantora demorou para lançar seu aguardadíssimo segundo álbum – cerca de 4 anos – mas também o próprio clima e fluência das canções. Dizer, porém, que “Vagarosa” é um disco arrastado, preguiçoso, ou, ao contrário, um disco que transparece demasiado esforço e cálculo, seria fazer uma injustiça à artista.

Aliás, de preguiçosa CéU não tem nada. Sem contar o nascimento de sua primeira filha, nesses quatro anos constam no seu currículo feitos que são raros nos dias de hoje para uma artista com a sua qualidade musical. A paulistana obteve sucesso de crítica em vários lugares do mundo, isso sem falar no sucesso de público, até mesmo quebrando um recorde de mais de quarenta anos para uma artista brasileira na lista da Billboard – a parada de sucessos norte-americana -, que era de Astrud Gilberto com a clássica “Garota de Ipanema”. Sua música também andou ganhando os ouvidos do grande público no Brasil, sendo duas das suas canções temas de novelas da Rede Globo. Talvez muitos não se lembrem, mas era ela, CéU, cantando – dublando, enfim – na cerimônia de abertura dos Jogos Pan-americanos de 2007 no Rio de Janeiro. Como se não bastasse o sucesso da carreira solo, ela ainda arranjou tempo para contribuir aqui e acolá com outros artistas e fazer parte do coletivo Sonantes, cujo disco apareceu em 2008. Em 2009, um pouco antes do lançamento do segundo disco, chegou o EP “Cangote”, nos dando uma palhinha do que viria logo em seguida.

Tudo isso, então, nos traz ao “Vagarosa”. Em comparação com o álbum de estreia, este é um disco que requer certa paciência e atenção do ouvinte, mas sem querer dizer que não há músicas grudentas e potenciais hits. O que não há neste trabalho é a mesma mudança de ritmos e climas do debut, pois boa parte de “Vagarosa” é dedicado a variações de ritmos jamaicanos – reggae, ragga, uma pitada de dub -, deixando a música caracteristicamente brasileira de lado na maior parte do tempo. Dessa vez, CéU nos apresenta uma coleção de canções que chega pelas beiradas, pedindo espaço. Aos poucos se percebe que, pelo menos nos momentos mais brilhantes do disco, são músicas que se acomodam confortavelmente na cabeça e parecem não querer sair de lá por um bom tempo. As três primeiras faixas completas – “Cangote”, “Comadi” e “Bubuia” – exemplificam logo de cara que este é um álbum diferente do anterior. Apesar dessas canções terem ritmos jamaicanos acentuados, não são de forma alguma simples derivados do reggae. CéU não trabalha suas melodias em torno dos clichês do gênero e sua banda é muito talentosa para não imprimir uma marca distintiva em cada canção (há, também, participações de outros músicos convidados).

Falando da banda, os parceiros da cantora trabalham dentro de uma paleta musical variada e ao mesmo tempo compacta, nunca se permitindo explorar os grooves elásticos que se via nos shows e até em algumas faixas do álbum anterior. Nesse sentido, “Vagarosa” é um disco fundamentalmente pop. Outro ponto positivo deste segundo trabalho é a sua fluência, tanto a coesão do começo ao fim da audição quanto a maneira como melodia, poesia e instrumentação se encaixam naturalmente. Se há uma virtude que possa ser destacada em CéU como compositora, é com certeza o fato de suas letras não ficarem artificialmente no caminho da música, tirando a atenção do ouvinte. Essa é uma habilidade importante, pois o que muitos compositores por aí tentam fazer é apenas encaixar pedaços de poesia em pedaços de música.

Entretanto, neste trabalho com qualidades importantes, o grande trunfo de CéU continua sendo a sua voz. É a voz da cantora que mantém o interesse do ouvinte em algumas canções, que se cantadas por intérpretes menores poderiam passar facilmente despercebidas. Outra mudança de estilo em relação ao álbum anterior é a forma mais econômica como CéU aqui utiliza seu instrumento, sem grandes floreios vocais na maioria das músicas, como se não precisasse mais provar para ninguém a sua capacidade como cantora. Os vocais são até divididos com Thalma de Freitas e Anelis Assumpção na já citada “Bubuia” e com Luiz Melodia em “Vira Lata”, um dos poucos momentos “brasileiros” e certamente um dos destaques do álbum. Mais autoral que o disco anterior, “Vagarosa” tem apenas uma interpretação, uma versão de “Rosa Menina Rosa” de Jorge Ben num clima psicodélico (uma pena, já que o cover de “Visgo de Jaca”, incluído no EP “Cangote”, seria uma grande adição ao disco). Os destaques e as nuances musicais não terminam por aí. O ragga de “Sonâmbulo” é uma das suas melhores músicas até o momento, e toques de trip hop e de jazz podem ser percebidos em “Nascente”, bem como sons setentistas norte-americanos em outras faixas.

“Vagarosa” é um álbum diferente e CéU é uma artista importante no cenário brasileiro, quer se ache ela a melhor cantora surgida no Brasil nos últimos tempos ou só música de fundo de lounges chiques. Neste trabalho, não podemos acusar a cantora nem de genialidade nem de comodismo com o sucesso, apenas de uma consistência fora do comum em comparação com as outras “Novas Musas da MPB”.

[“Vagarosa”, Céu. 13 faixas produzidas por Beto Villares, Gustavo Lenza, Gui Amabis e Céu. Lançado pela Six Degrees/Universal em agosto de 2009]

[rating: 4/5]


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