Antes de tudo, o que primeiro se ouve em “Actor“, o novo disco de St. Vincent, é uma espécie de coral, um amontoado de vozes em harmonia, que dura menos de dez segundos. O significado desses poucos segundos de coral que abrem o disco parece claro à primeira audição: o ouvinte está prestes a adentrar um outro espaço. Este espaço, sabemos já à metade do disco, é formado em sua essência pela originalidade da música de Annie Clark, o verdadeiro nome da garota de 26 anos conhecida como St. Vincent. Não por acaso, todas as vozes superpostas daquele coral são de Annie apenas.
“Actor”, já disse St. Vincent em diversas entrevistas, é um disco que foi composto com base em um tema específico: seus filmes prediletos. Que fique claro: o disco não é sobre filmes, não fala de filmes, de modo exato ou direto. Simplesmente, o disco foi composto por Clark tendo esse universo como principal fonte de inspiração. Por isso, tem o nome que tem. Levando em conta essa unidade frágil de tema e a forte unidade de timbre que perpassa todo o disco, podemos considerar “Actor” um dos poucos álbuns lançados este ano que realmente funcionam como disco, em seu sentido clássico: o long-play, do qual, por exemplo, o Radiohead já se mostrou disposto a distanciar-se.
St. Vincent – “The Strangers”
Tomando como (óbvia) metáfora o ofício do ator, o que faz de “Actor” um trabalho original é a junção que faz de fantasia e realidade. À fantasia de “Actor” podemos associar um recurso muito frequente ao longo de todo o disco: quando a voz de Clark se faz mais leve e mais frágil e é acompanhada melodicamente por cordas e instrumentos de sopro – o que é muito claro em “The Neighbors”. Além desse, há o óbvio recurso da voz em reverb, utilizado, por exemplo, no coral que abre “The Strangers”, do qual falei no primeiro parágrafo.
Ao longo do álbum, St. Vincent muitas vezes desloca este espaço de fantasia de alguns momentos para um lugar mais próximo à realidade. E o recurso que Clark utiliza para isso é o que dá mais originalidade e identidade a “Actor”: a distorção estourada do contrabaixo e dos metais que toma de impulso a música, modificando-a por completo. Clark se utiliza dessa “quebra para a realidade” tanto gradativamente (em músicas como “Black Rainbow” e “Actor Out of Work”) como também de modo mais repentino (em “Marrow” e “The Neighbors”).
St. Vincent – “Marrow”
“Actor” cresce bastante quando ouvido como um disco uno. Todas as músicas são, por si só, muito boas; mas a experiência de escutá-las todas juntas, sem interrupção, vale mais e é o que faz de “Actor” um dos melhores discos lançados em 2009. No entanto, “Actor” é, de um modo muito singelo, apenas um ótimo disco para se voltar de tempos em tempos. Não é um disco que se pretende revolucionário ou a algo de grandioso. Não à toa, Annie Clark diz, já no primeiro verso da primeira música, bem sincera: “Lover, I don’t play to win“. Mas ganha.
[“Actor”, St. Vincent. 11 faixas produzidas por Annie Clark e John Congleton. Lançado em maio de 2009, pela 4AD.]
[rating: 4.5/5]
Pingback: Isso não é um álbum é uma OST (St.Vincent – Actor) «