Convenhamos: “Logos” não é nenhuma novidade. Pra quem acompanhava os dramas e controvérsias que envolviam Bradford Cox, a novidade que seria o álbum já tem quase um ano, e até aí a a anormalidade é zero. Considerando que o calendário musical dessa década é mais pautado no que é vazado do que o que é lançado, é até natural que o disco já tenha um ano de idade na data de seu próprio “nascimento”.
A peculiariadade, no entanto, é que Logos apareceu pré-maturo exatamente por causa de um descuido de Cox com sua conta do Mediafire. Depois de fazer um post indignado em seu blog, deletá-lo e escrever outro em que “aceitava” o fato e inclusive compreendia os fora da lei que baixavam seu trabalho, o cantor entrou em crise e quase desistiu de terminar o projeto. A versão não masterizada que involuntariamente tinha disponibilizado, explicava Cox, era um rascunho: algumas faixas inclusive serviam mais pra passar a idéia de um arco sonoro que o disco deveria seguir que outra coisa, não sendo plenamente trabalhadas, desenvolvidas. Passados o drama e a crise, veio a notícia de que um “Logos” com uma tracklist um pouco diferente da do “original” estava pra ser lançado. O que nos leva à chegada da versão definitiva (e, novamente, vazada).
E é por isso que é difícil falar de “Logos” como um álbum só, até porque a versão “inacabada” já era excelente. E com a vantagem de que tinha mais coesão que a versão atual, segundo os parâmetros daquela coisa recentemente posta em crise (Radiohead que o diga) que é “O” álbum. Pra que o texto seja mais claro, portanto, a primeira versão do ábum vai ser tratada como “Logos 1.0” e a oficialmente lançada (duh) como “Logos 2.0”.
É bom começar pelos pontos em comum. Independente da versão de que estejamos falando, Cox não é mais o mesmo do LP cheio de ambiência e, pra quem o critica, hermetismo que era seu début. Pelo menos não por completo.”Let the Blind Lead Those Who See But Cannot Feel” não tinha nada que se assemelhasse a uma canção pop, mesmo no sentido mais amplo da palavra – o que não significa que esse seja um novo lado do artista. Pra citar um caso, em “Things I’ll Miss” – EP que, como a maioria de sua produção, foi lançado de graça no blog do projeto – há espaço tanto pra abstrações e/ou conceitualismos extremos como “Recording Acoustic Drums” quanto pro pop tranquilo e nostálgico de “My Car”. Fato é que há, sim, “singles” em ambos os “Logos”, canções que funcionam de acordo com os próprios parâmetros. A faixa título, rock lo-fi (antes de ser moda quase unânime) direto e quase não cantado por Cox, presente em ambos, é um desses casos, assim como a valsa contemporânea e esfumaçada que é “My Halo”.
Esse desprendimento de um som que tem mais a ver com as macroestruturas da música ambiente de Brian Eno e o minimalismo de Steve Reich é que determina a distinção efetiva entre as duas versões do álbum. A primeira é mais afeita a suítes introspectivas, lentas e repetitivas (no bom sentido), enquanto a segunda se preocupa menos com soundscapes e mais na criação de melodias aptas e carismáticas. Desse modo, as faixas emblemáticas de “Logos 1.0” são Quick Canal, com seus 13 minutos de indulgência pós-rock provavelmente inspirados pelo Stereolab, cuja vocalista participa da versão menor (e mais fraca) de “Logos 2.0”, “Thanatos”, em que beeps eletrônicos formam uma nuvem de ambiência, e “Difference BT”, de vocais cheios de ecos e ritmo lento, se refazendo e desfazendo à medida que a faixa progride.
Já “Logos 2.0” tem uma dinâmica diferente. O pop infantil e ensolarado de “Walkabout”, a batida capenga e os vocais arrastados de “Criminals” e o guitar pop feliz no som e sombrio na letra de “Shelia” são as faixas marcantes – e, de certa forma, sintéticas – do álbum, sendo que todas elas têm cara de single, e, se não fosse o alcança que o lançamento provavelmente vai ter, seriam radiofônicos, até . Faz sentido: o próprio Cox definiu o disco como “uma coleção de canções”. O próprio fato de que as quebras da continuidade do álbum sejam seus melhores momentos só reforça essa idéia. É nesse álbum em que transparecem as influências mais simpáticas de Cox (Supremes, Beach Boys e B52’s), não no sentido de referências diretas, mas no sentido de que se preocuparam em fazer canções divertidas, bem feitas e diretas.
Acaba que, se der pra deixar de lado o fato de que o primeiro álbum mereça mais essa denominação, “Logos 2.0” vai ser o disco que a maioria de nós vai voltar a ouvir (e já voltou, desde seu vazamento) não só no final do ano, mas por muito tempo depois. Acaba que ele é, de uma maneira ou de outra, mais simpático, mais propenso de ficar no Repeat do mp3. Não que isso signifique uma enorme disparidade entre os dois. Se fosse pra colocar em questão de décimos, “Logos 1.0” ganharia uns 8,3 e o segundo uns 8,6 ou 8,8. Mas como o esquema aqui é o da estrelinha, um fica com 4 e o outro com 4,25.
“Logos 1.0”: [rating: 4/5]
“Logos 2.0”: [rating: 4.25/5]
[“Logos 1.0”, Atlas Sound. 12 faixas. Vazado em agosto de 2008 por Bradford Cox, recomposto e reproduzido em 2009, vazado novamente em setembro de 2009, e lançado (finalmente) em outubro de 2009, via Kranky/4AD].
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