Stela Campos é uma daquelas artistas que não para encaixar em apenas um estilo. Em seu novo disco, “Mustang Bar”, ela brinca com o tropicalismo, o kraut rock, rock sessentista, a chanson francesa e mesmo com tantas influências o álbum encontra uma unidade. Em 48 horas de estúdio (não corridas, é claro), Stela conseguiu gravar todo o disco, que de certa forma é uma continuação do anterior “Hotel Continental” (2005). O trabalho foi gravado tão rápido, porque a cantora já tinha grande parte das canções prontas. A produção foi dividida entre Clayton Martim (Cidadão Instigado) e Missionário José (que já trabalhou com Bonde do Rolê, Mombojó), já as composições ela divide com o companheiro de palco e marido Luciano Buarque.
A cantora paulista começou sua carreira na década de 90, em Recife e embora não seja lembrada quando se fala no manguebit, teve sua participação no movimento. Agora já mais experiente, a cantora conversou conosco (via e-mail) sobre as particularidades deste novo trabalho, além de falar um pouco de sua trajetória e do novo mercado fonográfico.
Bloody Pop: Por que você foi morar em Recife? E como a cidade te influenciou para este novo disco?
Stela Campos: Eu estava numa fase de transição na minha vida pessoal e na ocasião não havia nada me prendendo em São Paulo. Fui para Recife para tocar num festival chamado Summerstage, que foi o embrião do Abril pro Rock, e pretendia prolongar a viagem por mais umas 6 semanas. Tirar férias mesmo. Uma vez lá, me envolvi em vários projetos e fui ficando, ficando… Num certo ponto, me vi bem estabelecida lá, trabalhando como locutora e repórter de TV – paralelamente a minha carreira musical, que, do ponto de vista autoral, criativo, floresceu muito nestes 6 anos que estive por lá.
“Mustang Bar” é um bar lendário da cidade, mas nada glamouroso – ou seja, toda a boêmia recifense já passou por lá em algum momento, mas não é necessariamente um “point” da cena local. Não diria que é uma homenagem à cidade, nem uma inspiração exclusivamente recifense. É mais como um cenário para comportar personagens que poderiam sair de qualquer cidade grande.
BP: A cidade acabou por ser tornar uma influência na sua música e na de seu parceiro e marido, Luciano Buarque. Foi de lá que vocês tiraram todos esses personagens fictícios e (também) vivenciais para colocar nas músicas?
Stela Campos: Sim. É o nosso habitat natural. Sem dúvida, é de onde a gente pesca as imagens. Mas também não é uma regra. A gente vem trabalhando em coisas (futuras) que mudam de rumo, que falam em 1º pessoa – e Mustang Bar já traz um pouco disso também, principalmente as faixas em inglês, tipo “Supermarket Dreams”.
BP: Este é o seu disco mais roqueiro. O que te fez voltar ao rock? Você passou a escutar coisas diferentes? Voltou-se mais para o rock?
Stela Campos: Não. Eu nunca me desliguei do rock. O que acontecia é que eu estava num esquema de produção que me dava mais liberdade criativa dentro do formato eletrônico. Mas minha bagagem, que parte do Velvet, Bowie e Patti Smith, sempre esteve presente de alguma forma. O curioso é que, no auge da onda eletrônica, quando me chamavam para os eventos segmentados e tal, eu me sentia meio como uma impostora, uma roqueira deslocada.
BP: Mustang Bar pode ser considerado uma sequência do Hotel Continental, seu disco anterior?
Stela Campos: Acho que sim. A gente não teve a intenção, mas tem uma continuidade tanto na temática como no som. A última faixa de Hotel Continental foi produzida à parte, com o Clayton Martin, que produziu Mustang Bar comigo e Missionário José. De fato, Mustang Bar começa onde Hotel Continental terminou.
BP: Você é uma artista um pouco difícil de classificar em algum movimento do rock. Não dá para dizer que você folk, se você tem influências do tropicalismo. E nem dá para dizer que você é tropicalista, sendo que vocês tem influências das “chansons franceses”. Você não acha que isso complica um pouco para o ouvinte? Ele não fica meio perdido ao escutar Stela Campos? Ou você vê uma unidade (unanimidade) no seu trabalho?
Stela Campos: A linha autoral é a única coisa que importa. Você pode ouvir um disco do Gainsbourg da fase chanson, da fase pop, art rock e reggae, mas sempre vai reconhecer o cara por trás de tudo. O Bowie é um pouco assim – o Beck também. Me identifico com isso e, de uma forma natural, sem me forçar em exercícios de estilo, acho que venho trilhando um caminho parecido.
BP: O Mustang Bar foi um disco que demorou a sair, mas que foi gravado muito rapidamente, já que grande parte da sua pré-produção dele foi feito no seu estúdio caseiro. Mas porque a demora para lançar? Quais foram os tramites que atrasaram?
Stela Campos: Vários fatores: primeiro a mixagem e os ajustes finais, depois a masterização, a capa e o projeto gráfico, e por último o processo de prensagem e de elaboração do material de divulgação. Levou quase um ano para sair, mas é assim mesmo (no esquema indie).
BP: Li numa entrevista em que você diz ser “indispensável o disco físico” e que até lançaria apenas em vinil, se isso fosse possível. Essa não é uma visão muito arcaica no meio de tanta tecnologia? Você, por exemplo, lança Eps e singles virtuais em seu site. Essa é sua maneira de se adequar ao mercado?
Stela Campos: Sou adepta do mp3, vivo baixando música e também pretendo dar continuidade aos meus lançamentos virtuais (sim, é uma maneira de se adaptar ao mercado; um formato bem mais viável em termos econômicos). Mas também sou uma colecionadora de discos à moda antiga. Gosto de ter o disco em mãos, de folhear o encarte. Sou totalmente a favor da resistência do disco físico (seja CD ou vinil). Não acho que o vinil seja arcaico. Não é toa que o LP está voltando ao mercado: ele representa uma reação às mídias descartáveis, à poluição informativa que vivemos. O mp3 é uma grande invenção, mas também é preciso olhar seus efeitos colaterais. Hoje em dia, o cara põe zilhões de álbuns no iPod, mas dificilmente irá escutar cada um deles mais de duas vezes (se muito). Está criando uma geração de ouvintes superficiais, o que é péssimo. Os discos precisam ser degustados com calma. Só assim se cria uma boa base de referências.
BP: Hoje, muito artistas estão fazendo não só o disco, mas também outras versões de seus lançamentos, com livretos, vinil, pendrive, disco com músicas extras… Mais uma infinidade de coisas parar chamar atenção dos compradores. Você já pensou em alguma coisa para chamar mais atenção para o seu trabalho?
Stela Campos: Sim. A idéia dos singles virtuais é bem isso. Há outros planos também, mas como depende de vários fatores, prefiro divulgar só quando estiverem em vias de se concretizar.
BP: O João Augusto, dono da Deckdisc, comprou a única fábrica de vinil na América Latina, que fica no Rio de Janeiro, a Polysom. Ele disse que mesmo com a fábrica, os impostos ainda são os grandes vilões da indústria. Então ainda teremos preços altos. Você acha que mesmo assim, vale a pena apostar neste mercado? Já entrou em contato para fazer algum relançamento por lá?
Stela Campos: Antes da Polysom fechar (e ser comprada), eu pedi o orçamento para prensar um EP de covers de Daniel Johnston, que acabei lançando no formato virtual. Na época, eles estavam bem no meio da crise e retornaram o e-mail explicando que não estavam mais fechando negócios, por assim dizer. A situação ainda estava indefinida quando gravamos Mustang Bar, portanto nem pensamos a respeito. Mas torço pela empreitada e espero um dia, finalmente, poder prensar alguma coisa em vinil.
BP: Você canta em três línguas. Sempre pergunto para os artistas em que língua é mais fácil compor. Qual você prefere?
Stela Campos: Inglês é a mais fácil, por causa das minhas influências – que são 80% estrangeiras, tenho que assumir. Mas a gente prefere trabalhar no idioma português, por uma questão de idealismo. Acontece que o processo de acabamento das letras é bem mais lento, complicado. Por conta disso, a gente tem um excedente de canções em inglês engavetadas. Está nos nossos planos lançar esse material de alguma forma, talvez num projeto paralelo – ainda não sei. Já o francês é mais uma brincadeira. Não domino a língua e fiz a letra (de “Le Captaine”) com ajuda de uma amiga franco-canadense.
BP: Como você conheceu o Luciano? Vocês passaram de músicos-parceiros para marido e mulher, por exemplo? Já teve alguma discussão musical que atrapalhou a vida pessoal de vocês?
Stela Campos: A gente se conheceu na noite recifense. Ele já fazia músicas, mas demorou um certo tempo até meu trabalho se integrar ao dele. A gente está junto desde 1995 e a colaboração mais efetiva dele vem a partir de 2002 (em Fim de Semana). Ele pensa mais no conceito, nas letras, e eu mais na parte musical, nos arranjos. É uma parceria que dá certo porque um completa o outro. Basicamente todas as músicas do Luciano têm dois acordes ou três, mas ele vai além ao compor as linhas vocais, que é a forma como ele sugere arranjos. Entre 4 paredes, a parceria tem momentos espinhosos, claro, pois somos francos um com o outro. Se ele fizer alguma coisa que eu não goste, falo na hora – e vice-versa.
BP: O disco contou com produção e também participação de dois caras conceituados no meio independente. Como rolou essa parceria?
Stela Campos: O Clayton Martin (Cidadão Instigado) toca comigo desde os últimos shows de Fim de Semana (2002). Ele produziu uma faixa de Hotel Continental, “Girl From 33”, que, aliás, citei no início dessa entrevista. A partir daí, tornou-se uma figura crucial no meu som. O Missionário José eu conheci em Recife. Lá, gravei com ele uma cover surf-cabaré de “Sabiá” para o disco “Baião de Viramundo”, tributo de Luis Gonzaga, que foi bastante comentado na época. A gente se reencontrou há uns dois anos aqui em São Paulo. Convidei ele para um pocket show folk que estava montando e o entendimento mútuo que surgiu daí fez dele uma escolha natural para Mustang Bar.
BP: Para quem não conhece Stela Campos, o que esperar deste CD?
Stela Campos: É um disco de rock psicodélico, intercalado por momentos folks, mais etéreos. Também faz ponte com kraut rock e com o samba rock (em “Ligia Hello Kitty”), que é algo que eu nunca fiz antes. As letras falam sobre mulheres vingativas, diabéticos solitários, bêbados e prostitutas ressentidas, entre outras coisas.
Deixe um comentário