por Livio Vilela
Relacionamentos são uma merda quando acabam. Eu sei, você sabe e Ryan Adams provavelmente sabe disso melhor que todo mundo – afinal, são poucas as pessoas que tem a índole necessária para colocar “Heartbreaker” como nome da sua estréia solo. No entanto, “Gold”, o disco de que falo nesse texto, não é sobre um fim de relacionamento. E sobre o que acontece depois do fim.
É fácil entender porque “Heartbreaker” ficou de certa forma marcado como o principal êxito da carreira de Ryan. Aquele é um disco de ferida exposta, pura mágoa e fragilidade pós-pé-na-bunda. As pessoas gostam disso, precisam disso, – os tais “break-up records” – porque eles são úteis. São parte do impulso imediato de se jogar naquele poço aparentemente sem fundo que você crê ser o seu destino. Mas nesse caso, o fim demora um pouco do que a queda-livre.
“Gold” é sobre isso. Sobre se levantar, sentir o peso do mundo nos seus ombros, sofrer com esse peso, se livrar dele e, principalmente, aprender a viver sem ele. É um longo processo e um longo disco (são mais de 70 minutos de música), e, pelo que se sabe, Ryan passou por tudo isso de 99 a 2001.
Para mim, é reconfortante pensar na história dele para entender o álbum. “Gold” é o álbum (ou um dos) que Ryan compôs para tentar esquecer de vez a tal garota (possivelmente Amy Lombardi, uma assessora de imprensa da indústria fonográfica americana) que tinha quebrado seu coração em “Heartbreaker”. O que é bem possível, já que “Gold” tem (ou pelo menos me parece ter) uma estrutura linear.
“New York, New York”, faixa de abertura, marca o adeus à cidade e tudo que está relacionado a ela (ele se mudou para Los Angeles para gravar “Gold”). “Firecraker” e “Answering Bell”, as paixões inventadas e passageiras. “La Cienega Just Smiled”, a dura aceitação de que você – sim – ainda está apaixonado por ela. “The Rescue Blues”, o fundo do poço MESMO, seguido do delírio platônico de “Someday, Somehow” e “When The Stars Go Blue”. Então, “Nobody Girl”, que poderia ser descrita como uma sessão de exorcismo em 9 minutos e 40 segundos de folk-rock setentista.
“Nobody Girl” é de fato a peça central do disco, a faixa que liga e dá sentido a toda essa história. É também a melhor faixa que Ryan já compôs. A letra lembra o Dylan de “Idiot Wind” (“Blood On The Tracks” é irmão mais velho de “Gold”), mas aqui desprovido de qualquer piedade. Ela agora é ninguém e ele faz questão de repetir isso várias e várias vezes durante a música. No entanto, a segunda estrofe consegue ser ainda mais dedo-na-cara que o refrão:
“Just a nobody girl
With a radar to the scene
When the emptiness finds you
You find all the numbers you need
Say you follow your heart
Well, honey you’re just being lost
Say you follow your guts
Well, how much would it cost?”
Depois da terceira estrofe, a faixa se dissolve em um longo solo de guitarra que até basicamente impossível ser explicado em palavras. Ouça e depois volte aqui.
(…)
A delicada “Sylvia Plath” (o ideal de mulher) é, assim, o início de uma nova parte da história: o do vazio, sensação que é bem descrita pela distorção pesada das guitarras de “Enemy Fire”.
“Gonna Make You Love Me” é você solteirão na night, se achando o tal (mesmo que você esteja na merda), enquanto a trinca “Wild Flowers”, “Harder Now That’s Over” e “Touch, Feel & Lose” são as fotografias que você insiste em guardar (“você está livre, livre com uma história”, ele canta no fim do refrão de “Harder”).
O disco e a história se aproximam do final em “Tina Toledo’s Street Walkin’ Blues”, um rock honky-tonk que os Rolling Stones desaprenderam a fazer depois das sessões do “Exile In Main St.” que, nessa leitura, representa uma nova paixão de perder a cabeça. Tina é a nova Amy, digamos assim.
O epílogo, “Goodnight, Hollywood Blvd”, fala sobre as cadeiras do bar sendo levantadas pelo garçom, o caixa fechando e você deixando essa história para trás. Livre, enfim. Ou como Ryan diz na última frase do disco: yeah, right.
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