por Rafael Abreu
A primeira vez que ouvi o “Discovery” eu tinha onze anos. Foi na casa do Pimenta (sobrenome, não apelido), enquanto a gente fazia um trabalho que provavelmente envolvia pincéis atômicos coloridos – os trabalhos da quinta série não envolviam muito PowerPoint, naquela época. Era também a época em que eu não fazia a mínima distinção entre o que eu ouvia. Meu método de seleção musical era basicamente pegar o que estivesse mais acessível, mais falado ou mais vendido e ouvir. Daí que foi meio que sorte que eu tivesse ouvido e gostado, enquanto fazia um trabalho na quinta série, da dupla de robôs que, naquela época, já tinha o mínimo de prestígio por causa de “Homework”, basicamente um disco de house que eu só ouviria depois de ouvir a cornucópia de eletropop oitentista que é o segundo álbum da banda.
O fato de que eu tinha onze anos já é o início do motivo por que o álbum significa tanto pra mim. Naquela época, eu ouvia principalmente produtos – não que isso fosse necessariamente ruim (apesar de, na maioria das vezes, não ser nada mais que isso) – fazendo da experiência de ouvir um disco de cabo a rabo uma coisa rara ou até inédita, até então. Mesmo que eu não soubesse que “Cola Bottle Baby” tinha sido sampleado no disco, que ele inteiro era uma espécie de tributo à música que a dupla ouvia de “zero a dez anos”, que, em pouco tempo, ele seria considerado um dos melhores (ou o melhor) cross-over entre música eletrônica e o bom e velho pop da década, dava pra perceber que Discovery era um álbum pensado, não uma encomenda feita pelo Mickey.
O resultado disso é que eu encontrei em Discovery inúmeras “primeiras vezes”. Foi provavelmente o primeiro disco que eu quis comprar, a primeira banda que eu pesquisei sobre (dando de cara com “Homework”, de sonoridade bem diferente). “Too Long” foi a primeira faixa com mais de cinco minutos (que pareciam três, de tão boa) que eu ouvi, “Nightvision” a primeira música instrumental meio ambiente de que gostei, “Superheroes”, “Crescendolls” e “High Life” me ensinaram, sem eu saber, o que era um sample e “Digital Love” é uma das minhas faixas favoritas da década. A verdade é que o “Discovery” significa muito pra minha formação como ouvinte, pautando tanto uma explorada na música eletrônica quanto marcando a ferro o que deve ser um bom álbum pop.
Sorte a minha eu ter pedido pro Pimenta queimar uma cópia do CD pra mim. Dali pra frente, durante meses, eu decoraria “Harder, Better, Faster, Stronger” e “Something About Us” com o tipo de afinco que só seria exigido e esperado de uma criança de onze anos. Lembra como, na minha primeira resenha pra esse especial, eu falava que o “Kill the Moonlight” é o disco da minha pré-adolescência imaginária? Pois é. Com o Daft Punk eu não tive esse problema, é deles o meu disco de verdade.
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