Mombojó e China @ Circo Voador (RJ), 03/05/2008

Há exatos onze meses e um dia, o Mombojó fazia no mesmo Circo Voador um dos grandes shows de 2007. Era a terceira apresentação da banda no Rio pela bem sucedida turnê do álbum “Homem-Espuma”, que já tinha levado a banda aos palcos do Tim Festival e levaria dois meses depois à estréia do Festival Indie Rock. Aquela noite chuvosa tinha sido realmente especial e confirmava a excelência da banda pernambucana. Ali, naquele dois de junho, o Mombojó não era só a melhor banda do Brasil em atividade (os Los Hermanos estavam a uma semana do “recesso”), mas era também uma das melhores do mundo.

Tudo parecia correr bem para o Mombojó. Até que no dia 5 de julho, 20 dias antes da apresentação no Festival Indie Rock, chega a bomba: o flautista Rafa havia falecido. Como qualquer grupo faria, o Mombojó cancelou o resto da turnê e ficou parado o tempo necessário para se recompor da tragédia.

A banda voltou aos palcos em outubro, passando por São Paulo, Curitiba, Salvador, Brasília, Fortaleza, terminando a turnê no carnaval de Recife. As notícias eram boas: um terceiro disco, possivelmente com ajuda do produtor carioca Kassin, estava a caminho. Mas aí, noutro balde d’água à boa fase, chegava no começo de março o anúncio do desligamento do multiinstrumentista Marcelo Campello (ele havia lançado disco instrumental “Projeções” em 2007).

Algumas perguntas pairavam na noite do último sábado: como ficaria o Mombojó sem dois integrantes tão importantes para a sua sonoridade? Seria tão incrível como há quase um ano? Mesmo que esse não fosse o sentimento da banda ou do público que lotava o Circo Voador, não dava para negar que havia algo a ser respondido.

Afinal o Circo é um pedaço de Pernambuco no meio da Lapa

Acompanhado da H Stern Band, China entrou no palco por volta das 00h30, tão elétrico como sempre. Ele corre, interage com a platéia durante toda a apresentação e, claro, dança de uma maneira bem característica, algo como James Brown virando passista de escola de samba. Um daqueles artistas que valeria a pena só pela alegria com que encara um show.

Mas China não é só um exímio dançarino e entertainer, é também um grande compositor. Ao vivo, as faixas de “Simulacro” (um dos melhores discos da música brasileira em 2007) e do EP “Um Só” superaram os resultados do estúdio graças ao desempenho de China e da H Stern Band (“formada por algumas pérolas preciosas”, como disse o próprio). Faixas como “Colocando sal nas feridas”  ganham um peso certeiro às suas várias camadas, numa confusão de estilos para lá de saudável.

Misturando seus dois lançamentos solo com alguns clássicos do cancioneiro popular brasileiro (como “Alguém me disse”, de Evaldo Gouveia e Jair Amorim), China leva platéia na dança. O ponto alto dessa primeira parte do show ficou por conta de “Sem paz”, em que China recebe no palco a cantora de Recife Ylana Queiroga (sobrinha de Lula Queiroga) para um belo dueto que acaba numa valsa torta entre os dois. Outra participação, também pernambucana, é de Zé Cafofinho na música “Todo malandro tem seu dia de otário”, parceria dele com China lançada no seu disco de estréia, “Um Pé Na Meia, Outro De Fora”.

Os convidados no show do China já davam a dica, mas quando ele chama a Mombojó inteira para o palco apertado do Circo e isso dá pra lá certo, você tem a confirmação: o Circo é um pedaço de Pernambuco no meio da Lapa. Deve ter sido fundado por Maurício de Nassau, porque é bem difícil de explicar como todos os shows de bandas pernambucanas dão tão certo ali.

Com 10 músicos no palco, a junção do Mombojó com China e a H Stern Band é uma das melhores coisas a se assistir em 2008 no Brasil (além do Rio, as bandas tem duas apresentações marcadas no final de maio em SP). Bate fácil, fácil vários dos possíveis shows gringos vindo para cá nesses próximos meses. Com tudo dobrado (e guitarras e teclados triplicados), a massa sonora que sai das caixas é impactante, maravilhosa.

Apesar de tocarem vários covers de Roberto Carlos, como num pocket-big-show do Del Rey, é quando as bandas tocam juntas faixas dos seus próprios trabalhos é que o show atinge o clímax. “Câncer”, de China, fica irreconhecível (e melhor) numa versão mais pesada, que troca o dub por paredes de guitarra noise-rock. “Cabidela”, do Mombojó, é outra que fica radiocalmente diferente da original. Sai o sambinha-universitário-trip-hoppeiro, entram as guitarras monstruosas e cheias de energia, como se Queens Of The Stone Age tocando um cover de Los Hermanos.

O Mombojó é rrrrrrrrrrrock

Depois da versão arrasadora de “Cabidela”, o Mombojó fica sozinho no palco e chega finalmente a hora de responder aquelas perguntas que ecoavam pela Lapa na noite de sábado.

E o Mombojó respondeu alto e ruidoso a todas elas.

O show ‘começa’ com a bela “O mais vendido” e segue com versões aceleradas, mais pesadas e, por vezes, melhores das faixas dos dois discos da banda, com destaque para “Adelaide”, que ganha um ritmo bossa-acelerada (que me lembrou alguma coisa dos Shins), e “Fatalmente” que termina num solo distorcido meio Sonic Youth.

Chega então “Casa caiada”, a primeira inédita da noite. Num ato chocante – Dylan ficando elétrico no Newport Folk Festival, em proporções brasileiras e bem menores – o vocalista Felipe S assume a outra guitarra, onde também ficaria nas duas próximas novas do show. Ruidosas, meio Weezer, as duas guitarras conduzem a canção por uma melodia calma e emocionada, que lembra Clube da Esquina (mais Lô Borges, menos Milton).

“Triste demais”, a segunda e melhor música nova apresentada, tem bateria e melodia com algo oitentista, talvez New Order – o baixista Samuel usava uma camiseta do Cut Copy, banda bastante influenciada pelo synth pop dos anos 80 e que fez um dos melhores discos desse ano, “In Ghost Colours”. Apesar da recepção fria de “Casa caiada”, a “Triste demais” deu início a parte mais agitada do show, com “Absorva” num arranjo melhorado, “Swinga”, “Tempo de carne e osso” (que passa longe da arrastada versão de estúdio) e “Vazio e momento”, essa última transformada num rock que lembrou bastante o Radiohead fase-The Bends.

“Papapa” (título transcrito do setlist), a última inédita da noite, vai garantir novos argumentos para os que erroneamente tacham a banda de sub-Los Hermanos, com a melodia do refrão fácil de cantar ( “pá pá pá pá pá”, isso mesmo) remetendo à “Conversa de botas batidas” dos cariocas.

“Faaca” e “Realismo convincente” chegam tão arrasadoras quanto sempre. Pesadas, brutais, extremamente poderosas. O bis traz China e a H Stern Band de volta ao palco para o melhor momento da noite e talvez – é difícil acreditar que não – do ano com “Deixe-se acreditar”. Eu podia até tentar descrever, mas acredite, é inefável.

Numa noite que começou cercada de incertezas, o Mombojó fez questão de dissipar todas elas, acompanhados ou sozinhos, guitarras em punho ou não. Simplesmente sendo brilhantes e deixando claro que, se banda for mesmo seguir caminhos diferentes, vai ser ótimo acompanhá-los nesse percurso.

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