É sempre difícil lidar com expectativas e a produção do Planeta Terra parece ter entendido ao longo dos seus três anos de existência. Em 2007, o festival era a cara nova que deu certo apostando em infra-estrutura, pontualidade, preço baixo e num line-up sem headliner, mas com escolhas bem feitas como Rapture e Devo. A boa fama do primeiro ano e um line-up sensacional (Animal Collective, JAMC, Spoon, Kaiser Chiefs, Bloc Party, Foals, Breeders!) fizeram uma a segunda edição um evento divertido, mas que já não lidava tão bem com o tamanho do seu público (filas quilométricas e problemas no som no palco principal, em suma).
Mesmo com várias baixas na escalação pretendida, a terceira vez então tinha a missão de ao mesmo tempo recuperar a boa fama do festival e lutar com uma concorrência quase tão perigosa – o Maquinária, acontecendo no mesmo dia há quilômetros dali – quanto o Tim Festival, que a desorganização e a crise econômica tinha enterrado em 2008.
Não sei como foi o Maquinária, mas com os acertos em vinda graças a escolha do Playcenter (tirando a praça “hot pocket” de alimentação, tudo estava ótimo) e um line-up que funcionou exemplarmente, dá para cravar que o Planeta Terra se adaptou bem a condição de “maior festival de música do Brasil” que acabou conquistando. Se 2010 tiver alguns daqueles shows que todo mundo está na tara (Pavement, My Bloody Valentine, Leonard Cohen, Vampire Weekend, Grizzly Bear, Passion Pit, e os retornos de Arcade Fire, Phoenix, TV On The Radio, Beck, YYYs e Arctic Monkeys, para citar o que me veio na cabeça), não vai sobrar para ninguém.
Depois do pulo, resenhas de todos os shows que o nosso staff (sorry Fuja Lurdes, EX!, Metronomy e N.A.S.A.) conseguiu ver e algumas fotos.
Macaco Bong
O primeiro show do festival começou quando o sol forte (que viraria chuva lá pelo meio da noite) ainda castigava a cabeça dos poucos presentes. Sem se importar muito com o ambiente, o Macaco Bong did that thing they do de deixar todo mundo boquiaberto com o tamanho do som que saem apenas de três caras com seus instrumentos.
Se não foi melhor, foi porque a escalação para tocar às 16h no palco principal foi cruel (seria perfeito no lugar do EX!, num palco menor com o sol se pondo). Mas começou bem, sintetizando um pouco do que viria pela frente. (Livio Vilela)
Móveis Coloniais de Acaju
Quem já acompanhou um show do Móveis Coloniais de Acaju sabe que a participação do público é o ponto forte. A banda, nesses mais de 10 anos de carreira, tem abocanhado um grande número de fãs que mesmo não dando uma estatueta do VMB comparece aos shows sem cessar. Foi assim no Planeta Terra 2009. O Móveis foi o segundo grupo a se apresentar no Palco Principal. O sol ainda estava forte, mas grande parte da galera nem ligou e dançou freneticamente com os brasilienses. As coreografias, “estripulias” e a animação da banda contagiaram até os mais sérios, que mesmo quietos sorriam ao ver a alegria dos outros, que não paravam de pular. A banda fez um show competente e mostrou que se profissionalizou bastante com o passar dos anos. (Alessandra dos Santos)
A primeira fotorresenha do Bloody Pop.
Maxïmo Park
Das várias injustiças que vão acabar acontecendo quando findar essa década, uma das que mais me incomoda é o fato do Maxïmo Park provavelmente virar nota de rodapé quando for se falar da geração de bandas britânicas pós-Franz Ferdinand. Talvez por terem sido lançados por um selo menor e notadamente hermético (a Warp, clássica gravadora de música eletrônica experimental), a banda acabou não tendo o sucesso dos seus contemporâneos (Kaiser Chiefs, Bloc Party, Rakes, Kasabian etc), mas sem dúvida tem o melhor catálogo da leva. E o melhor show.
Comandado pelo carismático Paul Smith (um mix de Morrissey e Jarvis Cocker com movimentos de dançarino profissional), o grupo foi um dos poucos a sofrer com problemas no som durante o festival primeiro noinício da apresentação quando as guitarras o teclado soaram abafados e no final quando o som do teclado sumiu por duas músicas, o que foi até bom, já que obrigou a banda a tocar uma versão crua de “Postcards From A Painting”, pérola do primeiro e grande disco da banda.
O repertório foi bem selecionado, com os hits do primeiro álbum (a destruidora “Apply Some Pressure”, “Grafitti”, “Going Missing”, “Limassol” e “I Want You To Stay” e boas escolhas do segundo (“Books From Boxes”, “Our Velocity”, “Girls Who Play Guitars”), mas houve quem se incomodasse com a presença maciça das faixas do último trabalho da banda, “Quicken The Heart”, que ainda sim mostrou sua força em “Calm” e “Questing, Not Coasting”). (Livio Vilela)
Copacabana Club
Nos mesmos moldes do CSS, o Copacabana Club vai surgindo e aos poucos vai conquistando o público brasileiro e internacional (Kayne West já elogiou o som da banda). Com um bom público presente no Coca-Cola Zero Stage, os Copas fizeram um dos melhores shows do festival. Tocando todos seus sucessos, a banda logo colocou a platéia para dançar e cantar junto com a sempre bela e animada vocalista Camila.
O show teve direito a tudo, desde de mini cover do Chemical Brothers (“Hey Girl, Hey Boy”) a saltos, pulos e bateria a 3 mãos com direito a baqueta quebrada de tanta empolgação. Mas o ápice da apresentação foi nas 3 músicas finais. “60’s Sensation” que começou com um agradecimento a Barry Manilow, que faz parte do refrão da música (“Copacabana, Barry used to say…”). “Come Back” veio logo em seguida e colocou a platéia toda de mão para o alto e por último tocaram o maior hit deles, “Just Do It”, que foi cantada em coro pela platéia que saiu com gostinho de quero mais. (Tomás Andrade)
Primal Scream
O Primal Scream fez o show mais morno da Terra. Talvez por estar em um palco aberto e grande, o som perdeu todo o peso que tem nos seus discos, desapontando muitos fãs que queriam ouvir a pressão das baterias eletrônicas misturadas com as guitarras pesadas.
Não querendo se concentrar em nenhum disco da carreira, a banda de Bobby Gillespie passeou por todas suas fases, indo do country rock com “Country Girl” ao eletrônico em “XTRMNT”. Mas a banda só conseguiu empolgar a platéia com seus hits “Swastika Eyes”, ” Movin’ On Up” e “ Accelerator”, que fechou o show.
Mesmo com o uso de imagens hipnotizantes nos telões o show ficou a desejar e deixou os fãs querendo mais hits como “Loaded”, “Kill All The Hippies” e “Don’t Fight It, Feel It”. Todos da fase mais eletrônica/industrial da banda. (Tomás Andrade)
Patrick Wolf
Lembram quando eu disse que a atual stage persona do Patrick Wolf era algo entre David Bowie e uma Paquita? Pois bem, eu não estava de brincadeira e quem seguiu a dica e foi conferir de perto, deve ter ficado supreso, no mínimo.
Entre três trocas de roupa, Patrick Wolf entregou um show a altura ao público que deixou Primal Scream de lado para vê-lo. Do piano para o violino, da guitarra (uma flying v, mais glam impossível) para os braços do público, Patrick conduziu a apresentação fazendo todo mundo ter certeza que era ali em cima do palco o lugar dele e que ele estava incrivelmente tão feliz quanto sua audiência por estar ali.
Ainda que o repertório do seu último álbum (“The Bachelor”) seja um pouco inconsistente, Patrick conseguiu dosar bem músicas recentes, com faixas dos discos anteriores, como “Tristan” (numa versão ainda mais agressiva, quase NIN), a belíssima “Stars” e o hit “The Magic Position”, que encerrou a apresentação com o público aos berros. Ainda houve espaço para citações de “Smells Like Teen Spirit”, “Like A Virgin” e “She Wolf”, single mais recente da Shakira.
Como ele repetia a cada intervalo, Patrick estava realmente feliz por estar ali. E não há como não concordar com ele. (Livio Vilela)
Sonic Youth
Se isso não é envelhecer com dignidade artística, eu não sei mais o que é. Há quantos anos eles estão por aí? 30? É um mistério bem difícil de desvendar o fato deles terem feito o show do festival – alto, barulhento, provocante, sexy, cínico, os adjetivos são vários e diversos – sem terem tocado nenhum hit.
Thurston e Ranaldo parecem dois moleques compenetrados jogando videogame como se nada além dos seus controles/guitarras importassem. Kim Gordon é a eterna MILF indie, foco da atenção do público durante toda apresentação. Steve Shelley é a precisão, o ponto firme, enquanto o que sai das guitarras (com a boa adição do ex-Pavement Mark Ibold é a mais perfeita expressão do caos. Enfim, Sonic Youth. (Livio Vilela)
Ting Tings
A dúvida era cruel para alguns, mas Iggy Pop era mesmo o preferido da noite. Mesmo assim, o duo britânico Ting Tings conseguiu um bom público. A banda poderia facilmente se transformar em “one man band”, já que Jules De Martino (oficialmente baterista e backing vocal) é responsável também pelas programações e baixo no show. Katie White está mais para enfeite, com sua beleza, roupas na moda e sua voz fraca. Em dado momento, ela se esforça na guitarra que estava com o amplificador desligado. O ponto alto rolou quando Jules foi brinca com as programações e jogou um “Ghost Buster”, música que ficou conhecida no Brasil, depois do filme “O Caça-Fantasmas”. O show terminou com a dobradinha “Shut Up and let me GO” e “That’s Not My Name”, que juntamente com “Great DJ” formam os singles do Ting Tings. (Alessandra dos Santos)
Iggy & The Stooges
Em uma edição especial da extinta revista General, André Barcinski conta que Johnny Ramone, na época da formação da banda, trabalhava de peão de obra junto com um cara que “julgava não bater muito bem da cabeça”, Douglas Colvin. O tal de Douglas costumava contar para Johnny de um show que vira em 1973 dos Stooges e de como ficara fascinado com a performance de seu vocalista, Iggy Pop, que se jogava na plateia e se arrastava no chão. Johnny acabou se identificando com Douglas e o chamou para entrar nos Ramones. A partir daí, Douglas Colvin passaria a se chamar Dee Dee Ramone.
Trinta e seis anos depois, os Ramones acabaram e apenas Tommy (baterista da formação original) está vivo, mas Iggy Pop, aos 62 anos de idade, continua se jogando no público e se arrastando no palco ao lado dos Stooges, do mesmo modo que tanto impressionou Dee Dee. Foi o que ele fez noite passada (7), em São Paulo, fechando o festival Planeta Terra.
Em tese, o show fez parte da turnê especial em que a banda toca músicas do Raw Power, disco de 1973 que conta com o guitarrista James Williamson, que voltou aos Stooges depois da morte, no começo do ano, de Ron Ashton. Mas o show não ficou apenas nas músicas deste disco, percorrendo tanto a carreira dos Stooges quanto a solo de Iggy. A sequência inicial foi matadora e, segundo o próprio Iggy disse ao site do Terra, seu ponto preferido da apresentação: “Raw Power”, “Kill City”, do disco homônimo e “Search and Destroy”, a melhor do Raw Power.
Antes de mandar “Shake Appeal”, Iggy chama o público a subir ao palco. Muitos dos que o atenderam sofreram com a violência dos seguranças, que não pouparam sequer os jornalistas e fotógrafos que documentavam a brutalidade. Alguém precisava avisar aos seguranças que a “invasão” faz parte do show, que Iggy chama as pessoas para participarem, não para serem espancadas.
Alheio ao caos a sua volta, o cantor continua com o show. “Gimme Danger”, “Loose”, “I Got a Right”, “1970”, “Fun House”, escolher o ponto alto é tarefa inglória e inútil. “I Wanna Be Your Dog”, tocada duas vezes quando estiveram por aqui em 2005, foi cantada por todos. Iggy tinha a plateia na coleira. James Williamson, Mike Watt (baixo), Steve Mackaye (saxofone) e Scott Asheton (bateria) são ótimos músicos, fazem a massa sonora perfeita, mas é impossível descolar os olhos do vocalista.
Quando parece que é o fim, a banda sai do palco, minhas pernas estão cambaleantes pela luta incessante por um espaço na grade e minha garganta pede desesperadamente por água, ouço uma garota dizer que não acabou, ainda falta “Lust for Life”. Estava certa, pois logo depois Iggy, a esta altura já com a bunda de fora de sua justíssima calça jeans, berra para que a banda volte para tocar a música, uma parceria com David Bowie que, incluída na trilha do filme Trainspotting, adaptação do livro de Irvine Welsh levada às telas em 1996, ajudou os Stooges a serem conhecidos pelas novas gerações.
Numa cena impagável do filme, a adolescente Diane diz ao junkie Renton que ele não pode ficar sentado o dia inteiro tomando heroína e ouvindo “Ziggy Pop”, ao que ele responde: “é Iggy Pop”. “Tanto faz, o cara já tá morto, de qualquer jeito”, ela rebate, para ouvir de Renton: Iggy Pop não está morto. Ele excursionou ano passado. O Tommy viu ele”. É isso mesmo Diane, o Iggy Pop não está morto. Eu vi o cara e ele está do mesmo jeito como quando Dee Dee o viu em 73. (Israel Lippe)
Ônibus do Terra
Era simples. Você entrava num ônibus virtual que estava “bombando”, ou criava um seu e o fazia bombar de seguidores. Quem tivesse mais seguidores, ganhava ingressos para levar os amigos e acesso a um ônibus de verdade estacionado na arena dos shows para assistir a tudo de camarote. Os seguidores ainda teriam que lutar pelos ingressos, já que apenas 15 deles sairiam vitoriosos. Eles ganharam um par de ingressos para levar quem quisessem para os shows. A disputa foi acirrada e as campanhas passaram por orkuts, twitters, facebooks e todas as redes sociais possíveis.
Rodolfo Nunes, 28 anos, foi um dos contemplados. Ele ficou em 10° lugar e trouxe o amigo junto com ele. O biólogo de Niterói (Rio de Janeiro) ficou sabendo da promoção pelo site do festival. Fez uma pequena pesquisa dos ônibus mais cheios e passou a seguir o da Twittes. A campanha foi mais “acanhada”. Rodolfo passou a mandar e-mails para toda a sua rede pedindo que votassem nele e que encaminhassem para os amigos. Deu certo. Perguntado sobre quem queria ver, não hesitou: “Vim para ver o Primal Scream, Sonic Youth e o Iggy Pop. Essa lenda viva.”, disse o biólogo.
No ônibus as mordomias eram as melhores. Tinha cerveja (Heinecken), água, energético, salgadinho, massagem, maquiagem e discotecagem. As picapes foram comandadas pela dupla “Chicks in Charge”, que tocavam nos intervalos dos shows. As moças tem uma noite especial no Milo Garagem, em Higenópolis.
O ônibus, portanto, foi aprovado por todos que passaram por lá. Só poderia mesmo ter ficado um pouco mais perto do palco. (Alessandra dos Santos)
Vídeos dos shows no site do Planeta Terra.
Mais fotos no flickr do Bloody Pop.
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